O que você faz para lidar com suas vulnerabilidades e vazios?
Onírico - Djanira da Motta e Silva
Tenho bastante energia capricorniana. Apesar de ser instável em vários aspectos, sou bem rocha. Lidar com minhas vulnerabilidades, por vezes, e por isso mesmo, é difícil. Insuportável. Hoje, a crônica está numa vibe meio fim mercúrio retrógrado, com meu retorno para o que foi, por muitos anos, meu lar e pós eclipse lunar em escorpião. Adoro usar a astrologia para ir mapeando questões. Acho um instrumento poderoso. O oposto complementar de capricórnio e câncer, caranguejo, aquele bichinho vulnerável, apesar da casca grossa. Como uma sombra das minhas energias pseudo duronas, preciso aceitar que também sou frágil (todos somos). Cheia de sentimentos e emoções. No fim, não sou tão perfeita, estável, como gostaria de ser.
Tem uns trechos de uma carta de Clarice Lispector para irmã que me emocionam sempre: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”. Depois ela diz: “respeite a você mais do que aos outros, respeite suas exigências, respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você – pelo amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa perfeita – não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – é esse o único meio de viver.”
Nos últimos anos, principalmente com as redes sociais, fica fácil a gente entrar no discurso do aperfeiçoamento, da perfeição. E não que não possamos buscar certas curas, melhorias. Inclusive, sou meio viciada nisso, confesso. Talvez seja minha estratégia para lidar de forma mais produtiva com minhas vulnerabilidades. Porém, somos o que somos. Aceitar, talvez, seja o necessário e muito mais desafiador.
Lidar com o vazio existencial, por mais que a gente tenha grana, um bom trabalho, amor, saúde, por vezes, não é fácil. Pode parecer cruel afirmar isso diante de tantas faltas cruéis no mundo. Mas é a mais pura verdade. O ser humano é repleto de angústias. E as angústias, penso eu, devem ter alguma razão de existir. Às vezes, as leio como flechas que apontam direções. Às vezes, talvez, as angústias não tenham sentido algum. A verdade é que sou uma pessoa que gosta de dar sentido às coisas. Mais uma estratégia produtiva da minha parte para lidar com o que não é fácil.
Milenarmente, criamos mitos, religiões, narrativas para explicar o que não tem tanta explicação. Algumas vezes, até encontramos algum sentido. Noutras, são apenas tentativas. Não por acaso, saímos inventando o que fazer sem parar. Novas casas, novos caminhos, novos projetos, filhos, toda uma ideia de futuro a ser conquistada. Porém, não cortar nossos defeitos, não ser flat (estável) diante de nossas angústias, na real, pode ser o mais produtivo em alguns momentos. Acho bizarro sermos, cada vez mais, uma sociedade extremamente medicada para não lidar. Não que, por vezes, não seja necessário. Mas penso que estamos ultrapassando limites.
Como escritora, acredito que um dos meus papéis é mergulhar nessas trevas densas escorpianas do mistério da morte e vida e contar desses caminhos. Às vezes, até podemos fazer x, y ou z para ter mais bem-estar, para transmutar. Noutras, tudo que iremos precisar é nada fazer. Te garanto: tenho tentado e é muito mais, infinitamente mais, difícil. Como já fiz muita merda comigo mesma fazendo coisas para não lidar, agora, quando consigo, tenho tentado menos fazer. Só sentir todos os incômodos. Abraçar as minhas angústias, minhas vulnerabilidades, meus vazios.
Não fugir, não inventar um novo caminho, um novo projeto, uma nova paixão, não tentar (me) controlar, dá muito mais trabalho. Quando percebo, estou fugindo, inventando, me controlando, me criticando por não fazer. Mas, a gente precisa se manter de pé, né?! Fazer, criar, pode ser um dos pilares de meu edifício. Porém, já causei alguns incêndios aqui dentro com tanta ação. Mesmo assim, ele segue de pé.
Se de fora, ao olhar para o outro, vemos um mar calmo ou agitado, nunca vamos ter noção da vida e das correntezas que habitam aquele interior. Julgar, determinar o que devia ser, é sempre mais fácil. Amar quem somos do jeito que somos, amar o outro do jeito que ele é, sem dúvidas, é o mais difícil. Em mim habita ódio e muito mais amor. A verdade é que todos nós estamos à beira do precipício. Olhar para o precipício, confiar no que se é a cada momento, não forjar perfeição, odiar, amar, não com a mesma intensidade porque nossa capacidade de amar é muito maior, pode, talvez - olha eu mais uma vez querendo dar sentido - fazer a gente se sustentar melhor.
Seguir e ser, se transformar devagarinho ao sabor do vento, por nós mesmas, não por uma imagem projetada ou por um ideal do outro, talvez faça mais sentido do que seguir qualquer fotografia de perfeição. A vida, em alguns momentos, já se mostra demasiadamente pesada. A gente não deveria pesar tão mais sobre nós mesmas. Honrar quem somos também é fundamental. Mas, pesar sobre o que somos é o que, por vezes, conseguimos. E pode ser que tenha muitos sentidos nisso também. Só precisamos ter certos cuidados, certas medidas nesses nossos atos. Aceitar é o mais difícil e o mais fácil.