O poder da comunicação: já pensaram como as big techs têm influenciado o nosso dia a dia?

Arranha-céus e túneis - Fortunato Depero 

Gosto muito da série Succession da HBO. O último episódio irá ao ar no dia 28 de maio. Com as tretas que estão rolando por conta do PL das Fake News fiquei bastante reflexiva sobre como tudo se transformou - apesar do poder ser o mesmo - nas últimas décadas. Vocês têm pensado sobre os aspectos positivos e também negativos da tecnologia? Como essa nova realidade tem impactado sua vida e quanto impactará mais e mais? A verdade é que não fomos educados para esse momento. Na verdade, ainda temos pouca noção dele.

Tanto no mestrado quanto no doutorado pude estudar a chamada revolução tecnológica e da informação. De forma simplória, para um sociólogo que gosto, François Ascher, o processo de modernização da sociedade aconteceu, basicamente, a partir de três processos: a racionalização, com a ciência e organização dos métodos científicos; a diferenciação social, a partir da inserção de novos status, atividades de trabalho e a capacidade de mobilidade entre “castas” (antes só nobres e servos); e a individualização, quando deixamos de nos perceber apenas como pertencentes de certos grupos e passamos a construir nossa identidade individual.

Esses processos, segundo ele, seguiram avançando com a revolução mercantil (quando passamos a fazer comércio entre países e colonizar), seguindo pela revolução industrial e, hoje, infinitamente ampliado com a revolução tecnológica e da comunicação. Euzinha tenho 36 anos, vivi uma infância sem computador, celular nem sonhava. Poder escrever de dentro de um avião, num smartphone, como estou agora, jamais.

A gente não sabe o que virá pela frente. Toda forma de produção e absorção de conhecimento mudou. O modo de trabalho idem. Muitas pessoas com formação superior, pós-graduação precisam hoje trabalhar como uber, seja por conta da economia ferrada, seja por não ter como aplicar de modo prático os conhecimentos adquiridos por anos e anos. A tendência é tudo se transformar ainda mais rápido e não parar de mudar. O bagulho vai ficar cada vez mais doido.

De modo novamente simplório, a revolução mercantil desmantelou os arranjos feudais e passamos, gradativamente, a estabelecer territórios concebidos pela ideia de nação. Com a revolução industrial, as guerras, o imperialismo, o poder econômico desses territórios se fortaleceu. Porém, com o avanço da ciência e da tecnologia, o poder econômico e o controle tem cada vez mais saído da mão do Estado-nação. Citando novamente a Uber, podemos perceber como empresas globais têm redefinido o arranjo social de diversos países de forma simultânea. Não por acaso, com a ajuda da tecnologia, somos capazes de produzir riquezas de modo rápido e misérias infinitas. Porém, precisamos saber: quem vai equalizar esse problema?

Para mim, estamos num ponto crucial da história. Deixa voltar para Succession. Como apresentei na minha tese, as narrativas são excelentes mapas para interpretarmos a realidade. Sem muitos spoilers, a família Roy, de origem humilde, construiu riquezas sem precedentes criando um grande conglomerado de mídia, a Waystar Royco. O fictício canal ATN influencia nos caminhos da eleição estadunidense. Porém, há pressões porque a tecnologia, a Gojo (grande empresa de streaming), mudou a forma como se acessa a comunicação. Por conta disso, a Waystar tem perdido poder de influência e capital. Num dos episódios, eles discutem justamente a regulação da mídia. Bem vibe do Brasil de agora, a mídia tradicional de um lado e as big techs de outro. Por que será?

A Gojo não é uma empresa nacionalizada como a da família Roy (embora em menor escala também atue em outros países). A Gojo é global. Seus produtos estão em todos os países por conta da internet. Se um conglomerado de mídia como a Globo, a ATN, tem influência sobre as vidas de cidadãos de um Estado-Nação, qual o poder dessas empresas globais? Como elas podem alterar o caminho da política mundial, por exemplo? Como vocês acham que, de modo quase mágico, a extrema direita chegou ao poder em vários países?

Pensa só nesse exemplo, passamos horas e horas utilizando os serviços da Meta - Instagram, Facebook, ‎WhatsApp. Consumimos conteúdos interessantíssimos criados pelos próprios usuários, não pela plataforma; criamos laços; fazemos dessas ferramentas instrumentos valiosos para nosso trabalho. Aos poucos e, cada vez mais, somos dependentes da plataforma em nosso dia a dia e acabamos vivendo ao sabor dos seus algoritmos. Gosto de chamar de algozesritmos, você pode imaginar o porquê.

Agora, com o projeto da PL das fake news, vimos uma campanha massiva das big techs contra a proposta. Vocês conseguem perceber que sem controle as consequências podem ser muito mais desastrosas a longo prazo? Ao invés de caminharmos em direção da liberdade e da democracia, não estaríamos colocando o poder na mão de bilionários ególatras, como os filhos de Logan Roy e Matsson, dono da Gojo? Ao invés de poder popular, participativo, diverso, não estaríamos caminhando para tirania? E o pior: uma tirania de homens brancos, muito possivelmente descompensados a la Elon Musk e sem nenhuma preocupação social e com o futuro humano na Terra.


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