É possível construirmos a vida que queremos viver?

Sem título (1963) de Rosina Becker Valle

Escrevo essa crônica estando em Nápoles, a cidade onde vivem as personagens da tetralogia de Elena Ferrante. Já estou em viagem há mais de 10 dias e ainda não me adaptei a diferença de fuso horário. Tenho passado muitas madrugadas em claro, dormido em horários impróprios e de forma partida. O que me dá bastante tempo sozinha, com meus pensamentos.

Ao longo da vida, fui me sentido imprópria em vários aspectos. O sono é só um deles. Tenho dificuldade de desligar e, mesmo quando estou dormindo bem, - inclusive, saudades do início da gravidez - não costumo operar em horários padrões. A madrugada sempre foi minha amiga. De alguma maneira, sinto: preciso do seu silêncio e quietude.

Tive que criar subterfúgios para a minha essência não ser ferida. Logicamente, já me sugeriram tomar remédios, me adequar. Agora, me dizem: aproveite e vá regulando seu sono, porque quanto Antônio nascer... Já combinei com João, a madrugada será minha e as manhãs dele. Na verdade, só vamos descobrir os ritmos de Antônio e como eu e João vamos nos adaptar a ele após seu nascimento.

Percebe como sempre vão tentando nos regrar? Nos enquadrar? Nos enfiar em certos ou errados? Num jeito de ser que não é nosso?

Não me importo de trabalhar um pouco todos os dias, mesmo quando estou viajando. Não me importo em nunca poder tirar férias plenas (nem se pudesse, minha cabeça deixaria). Sim, preciso ter certo controle com meu volume de energia direcionado ao trabalho. Essa é minha preocupação com o nascimento de Antônio, não o meu sono. Mesmo assim, posso dizer: tenho a flexibilidade, autonomia e liberdade que um dia já desejei.

Esses dias, re-assistindo alguns episódios de Minha Amiga Brilhante no Max, baseada na novela napolitana de Ferrante, me surgiu novamente a questão: por que Elena conseguiu ter a vida que queria e Lina não? As duas tiveram a mesma origem, embora com famílias diferentes. À Elena foi permitido estudar e a Lina não. Mesmo assim, Lina conseguiu alcançar espaços inimagináveis por conta da sua inteligência. Lina, sem dúvidas, tinha mais dificuldade e, ao mesmo tempo, mais facilidade que Elena.

Nessas últimas madrugadas, me bateu uma curiosidade sobre Paulo Coelho. Dei uma fuçada na sua conta do Instagram e vi vários vídeos de pessoas e celebridades relatando o quanto a leitura de O Alquimista, uma das obras de literatura mais consumidas da atualidade, guiou suas vidas. O livro fala sobre descobrirmos nossa lenda pessoal, poderíamos traduzir em propósito, e do caminho para chegar lá. O reli há poucos anos, quando estava terminando o doutorado e bastante perdida sobre o futuro.

Nessa pesquisa, li também uma entrevista no qual Paulo Coelho relatava a leveza de seu cotidiano ao lado da sua companheira, com quem divide a vida há mais de 40 anos. Claro, tudo fica mais fácil quando já se alcançou milhões de leitores e se construiu fortuna. Mas houve um espaço, um esforço gigante para torna-se. Por que alguns conseguem fazer esse percurso e outros não? Por que, por vezes, são as angústias e não os nossos sonhos que nos dominam? 

Me tornar quem sou, fazer o que quero, viver a vida que faz sentido para mim tem sido um processo. Saber ler minhas vontades e desejos, exige um mergulho em si, nas sombras, paranoias, medos, na forma como fui criada, em conhecimentos não materiais sobre a existência e em conhecimentos concretos. Sou grande devota do expandir de consciência e do construir. Só sabendo onde se quer chegar é que se chega. Elena sabia. Paulo Coelho também. Mesmo com descobertas e reajustes, sempre tive setas fortes como guia.


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Hoje me permito reforçar: o machismo, a misoginia, além de criminalizada, precisa ser tratada como patologia.

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Sobre a necessidade de também empoderar os homens.