Sobre a necessidade de também empoderar os homens.
Fazia anos que não convivia ao lado de um homem. Estar em casal tem muitas delícias. Escrevi sobre superar a dependência afetiva no vídeo passado e, de vez em quando, confesso sentir medo. Já tenho dificuldade de não imaginar a presença de João no meu dia a dia. Mas, calma (para mim mesma), uma coisa é hábito, outra coisa é suportar o insuportável.
João é extremamente cavalheiro, não me deixa segurar peso, gosta de cozinhar para mim, de cuidar. Porém, em vários momentos, o seu pensamento é extremamente centralizado nele, nas suas questões, nos seus desejos.
Sinto: por mais aberto que o homem seja, por mais que não concorde com um monte de coisa, tem algo intrínseco à personalidade da grande maioria - um certo egoísmo, uma incapacidade de olhar conjuntamente para as necessidades do outro, da família. Não tem como o machismo não reverberar nas entrelinhas.
Enquanto faço feira online, escrevo, lidero uma empresa, planejo viagem, resolvo mil e uma burocracias, marco pré-natal, direciono cuidados com a família que, inclusive, ele precisa ter (sou lembrete, como a maior parte das mulheres é), enquanto me cuido, faço exercício, terapia, João mantêm a cabeça livre para focar quase exclusivamente em seu trabalho, em seus hobbies.
Exato, a famosa carga mental feminina. Se por um lado, acumulamos funções, pressões, parece que, para nossa geração, acaba também restando a tarefa de liderar essa redistribuição, desde a criação dos filhos até a manutenção de um lar.
Sermos nós, mais uma vez, as responsáveis por capitanear mudanças não me parece justo. E, além de criar o movimento, dizer: meu amor, você é capaz de ir no mercado sozinho, de levar seu filho na consulta, de passar quanto tempo for preciso com a criança sem me chamar. Vamos lá, você consegue, você é adulto! Porque se você não fizer, vai sobrar para mim. Isso lhe parece justo? Às vezes, não seremos tão doces nesse incentivo e tudo bem. Explodir faz parte.
Belchior, que fugiu e abandonou os filhos, escreveu na década de 1970 a música Como os nossos pais, que se tornou famosíssima na voz de Elis Regina. Como dita a narrativa da canção, mesmo desejando ser diferentes, vamos nos espelhando nos nossos pais. Vamos reproduzindo os lugares vividos por eles.
Quando o feminismo e outros movimentos vão desmantelando os papéis de gênero, fica para nós o trabalho de reorganizar funções. Essa sobrecarga que está posta nos dias de hoje para as mulheres não me serve. Não estou suportando mais. Não precisamos dar conta de tudo para sermos amadas. Homens não precisam sumir, não devem permanecer engajados no seu egoísmo e covardia.
Se estamos com frequência e com razão pontuando os absurdos feitos pelos homens - afinal, somos vítimas -, precisamos também os empoderar, os estimular a serem diferentes. Homens são capazes de se portarem como seres decentes, companheiros, de dividirem as tarefas, responsabilidades, o cuidado. Esse é o lugar social que precisamos coletivamente construir. É chegado o momento de deixarmos para as gerações futuras outros espelhos.