Hoje me permito reforçar: o machismo, a misoginia, além de criminalizada, precisa ser tratada como patologia.
Será que só o sarampo, o coronavírus e outras doenças são contagiosas? Será que o ódio, a violência também não são transmitidas assim meio que com o vento? Um machista não adoece o outro, o tornando também machista?
Esses dias, João fazia piadas de como os amiguinhos de Antônio poderão falar de mim na escola. Coisas como: Antônio, cadê Dani, aquela gostosa? Relembramos da nossa infância, de como as mães dos meninos eram achincalhadas. João ficou surpreso de que na escola particular, onde eu estudei, ser do mesmo jeito da escola pública, onde ele estudou. Pensava que essa violência estava, de alguma forma, vinculada a sua realidade social, não a todas as outras.
Quem será que contaminou essas crianças com o machismo? Quem os ensinou a tratar as mães dos coleguinhas como objetos? Não sei se isso ainda perdura nos ambientes escolares. De toda forma, esse fato narra muito bem a vastidão do problema.
Sobre este, recebemos várias notícias indigestas nos últimos dias. Rebecca Cheptegei, maratonista ugandesa, queimada viva por seu companheiro. Gisèle Pélicot, francesa, dopada por seu marido para ser estuprada por outros homens, estima-se mais 50. Denúncias de assédio sexual cometidas pelo brilhante jurista brasileiro Silvio de Almeida e sua deposição do cargo de Ministro dos Direitos Humanos. Trágico, muito trágico. E absolutamente cotidiano.
Não, homens negros não forjam (não imitam) o lugar de opressor do homem branco e por isso abusam, são misóginos, feminicidas. Com isso, não quero dizer que homens negros não são oprimidos. São, e de forma extremamente violenta, materialmente e simbolicamente.
O que quero dizer é: a violência contra a mulher é universal. Ela não é ocidental ou oriental, não tem classe ou cor. A violência contra mulher é uma pandemia global, milenar e não tratada, no qual cientistas, talvez, ainda não se debruçaram com afinco para encontrar a cura.
Eu enxergo a cura. Se crianças são contaminadas ainda crianças com a misoginia, com a ideia de objetificação feminina, há claramente um sistema a ser curado. Por isso, também entendo o machismo como doença, como patologia.
E se houvesse ações de combate à misoginia nos ambientes escolares quase como uma vacina preventiva? Brincando com João, digo que vou ensinar a Antônio algumas respostas para os possíveis comentários machistas. Por exemplo: minha mãe é gostosa mesmo. E daí? Você não me ofende dizendo isso. Mulheres devem ser respeitadas. Qual a dificuldade de, desde cedo, irmos invertendo as narrativas?
Sim, falta vontade, ações coletivas, políticas de longo prazo, globais e locais. Mas não me parece difícil combater essa pandemia. Talvez, um pouco mais difícil seja tratar quem já está adoecido. Perceba: se as narrativas, incluindo as difundidas por crianças, nos ambientes escolares, são responsáveis por moldar ações, subjetividades, não fica nítido que precisamos transformar toda essa ideia sobre a servidão feminina? Humanizar as mulheres? E, ao mesmo tempo, duramente responsabilizar quem comete e prevenir o avanço das infinitas violências derivadas do machismo?