Sou romântica, não tem jeito!
A Árvore da Esperança, Mantenha-se Firme - Frida Kahlo
É sério, sou uma romântica incurável. Com um otimismo gigante. Isso pode ter um lado bom. E outro nem tanto. Tenho feito uns tratamentos com florais astrológicos e gostado bastante dos resultados. O primeiro que tomei foi para Netuno retrógrado - o planeta das ilusões - e o meu está em peixes, bem domiciliado e mergulhando em fantasias de um mundo cor-de-rosa. Ao mesmo tempo, vivencio processos de lucidez ao extremo. Amo entender e interpretar a realidade. Sei olhar para as coisas feias. As nossas sombras, inclusive as minhas.
Falo isso porque no início da década de 2010, com a chegada dos smartphones e auge das redes sociais, me enchi de esperança de que o mundo se tornaria um lugar melhor. As mentes questionadoras estavam conseguindo formar redes, ir à luta. Aqui em Recife tivemos o movimento Ocupe Estelita para tentar barrar a construção de 12 Torres no cais e não degradar nossa paisagem histórica. Coisa que agora, infelizmente, já está acontecendo. Houve a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street. O povo estava se unindo com a ajuda das redes para contrapor o poder dominante.
Anos depois, o que vimos? A emergência do facismo, do ódio, da intolerância em todo o planeta, principalmente nas redes e de maneira bem orquestrada. Como uma máquina de poder, as redes sociais foram e estão sendo usadas para eleger escrotos, escórias. Ali, no início da década de 2010, nunca imaginei chegar a esse lugar. E o pior: nós, povo, trabalhadores pobres, mais abastados ou classe média, estamos sendo, cada vez mais, divididos por narrativas que nos colocam como inimigos. Nos separamos entre gênero, cor de pele, sexualidade. Até treta entre monogâmicos e não monogâmicos temos visto. Vivemos um momento onde o ódio engaja e vende.
Chega a ser inacreditável, mas caímos como patinhos nas lógicas do poder, dos algozeritmos (para quem não sabe, gosto de chamar os algoritmos assim). E quem vence com isso?! Obviamente, o opressor, usando a dicotomia de Paulo Freire. Não que ache que não estamos avançando nas pautas contra o machismo, racismo, homofobia, transfobia. Também estamos desconstruindo o casamento como uma instituição sagrada e temos, ainda bem, pensados novos modelos. O grande lance é que não podemos ser burros. A gente tem que saber quem é o inimigo como fala Mano Brown.
Muito da minha escrita parte de uma crítica ao machismo, a forma como fui tratada em meus relacionamentos com homens. Mais do que apontar dedos, armas na cara, me interessa entender o por quê eles são assim, por que nós, mulheres, toleramos certas situações e desmantelar isso tudo. Não que tenha esse poder. Quero, de alguma maneira, com o que crio contribuir minimamente, inlusive para mim. Não quero deixar de me relacionar, nem de me apaixonar, nem de viver o amor. A gente não existe sem amor. Sou romântica, já disse.
A gente se dividiu também por outras razões. Lembram do filme coreano e vencedor do Oscar Parasita? Ele mapeia diversos problemas contemporâneos. Primeiro, a não existência de trabalhos dignos num mundo cada vez mais global, tecnológico e dominado pelo capitalismo neoliberal. Segundo como nos colocamos em disputa com nossos iguais. E por fim, a ilusão de sucesso, de que podemos vencer dentro dessas lógicas como sonha o filho da família Kim mesmo após a tragédia vivida por sua família. Como estamos imersos nessa fantasia e explorados por subempregos, como vamos conseguir enxergar a perversidade desse sistema e criar alternativas?
Não à toa, estamos ansiosos, dependentes de drogas lícitas (remédios tarja preta, álcool, café, cigarros) e ilícitas. Às vezes, como estratégia de sobrevivência, é preciso jogar o jogo do neoliberalismo. Mas precisamos urgentemente buscar meios de superar essa tragédia. Como disse o sociólogo Ulrich Beck, metamorfose ou fim. Caminhos existem. Podemos nos associar, criar comunidades com interesses comuns, ir à luta, disputar espaços. Disputar o poder. O poder em si não é ruim. Precisamos superar essa crença. Ruim é os que estão no poder e os que fazem mal uso do poder.
Além de eleger Lula presidente e Alckmin vice-presidente, infelizmente, precisamos fazer redes e eleger senadores, deputados federais, governadores, deputados estaduais progressistas. Não somos uma monarquia. O presidente não atua sozinho. E mais do que tudo: como indivíduos, não podemos abandonar a política. Não podemos abandonar nossa tarefa de usar nosso tempo de vida, apesar de todos os percalços, para contribuir com a construção de uma vida humana mais sustentável, justa, abundante e feliz.
Fico aqui me perguntando: será que não podemos ser românticas, fantasiar com um mundo melhor, relacionamentos saudáveis (não só os sexuais) e enxergar tudo de errado? Ser otimismo e lucidez ao mesmo tempo? Acho possível… Para quê mesmo matar a esperança se precisamos de doses cavalares dela para sobreviver? Para transformar? Para metamorfosear nosso modo de estar nesse planeta? Então, muito mais esperança, força e amor para a gente. Temos muito trabalho pela frente.