Dia dos namorados, você está feliz por aí?
Os Amantes com Asno Azul, Marc Chagall
Menina, eu tô bem feliz. Por mais que muitas dessas datas comemorativas tenham sido criadas por publicitários - como é o caso desse dia, idealizado por João Doria - gosto dos rituais. Vejo importância neles. Não sou uma pessoa de valorizar excessivamente presentes, apesar de curtir ganhar. Me interessa muito mais as experiências, como podemos celebrar as presenças. Nada mal ter uma data para o amor. Melhor ainda quando conseguimos sair do convencional, do que está condicionado para homens e mulheres.
Já passei muitos dias dos namorados em dupla, outros sozinha, outros fazendo grupal (calma, não é safadeza). Em dupla já foi frustrante, algumas vezes. Lembro de uma dessas ir para um restaurante que amava e ser morno, sem tanta cor. Fúnebre. Numa outra ocasião, em que fiz um grupal, vários amigos - incluindo casais e não casais - se uniram num sábado à noite para celebrar o amor. Esse dia acabou sendo colorido, cheio de significantes.
Acho compreensível hoje bater por aí certa carência, uma sensação de “onde foi que eu errei?”, do “porquê só eu não encontro o amor?”, ou puramente de infelicidade. A grama do vizinho sempre parece mais verde, por mais até que ela seja mais verde um pouquinho. Uma grama verdinha reluzente não deixa nítido qual foi seu processo de plantio. Pode ser que antes de bem bonita, ela já tenha queimado ou que tenha se curado de uma infestação de cochonilha. Pode ser que a grama verdinha seja de plástico. Ou que já tenha sido substituída algumas vezes até encontrar o tipo ideal para o clima do local.
Amar feliz, amar bonito, dá trabalho. Muitas vezes, para chegar no verde é preciso morrer e renascer incontáveis vezes. E não existe momentos eternos. Só temos o agora porque tudo se transforma. Lembrei de outra experiência. Não do dia dos namorados, de um réveillon, data super importante para mim. Intuía ser o último ao seu lado. Fiz questão de passar junto, num lugar que nem gostava, longe dos meus amigos e família. Queria aproveitar aquele amor até o fim. E foi assim.
Cada vez mais tenho tido consciência do meu lugar, das minhas buscas, do quanto ter ou não alguém para chamar de namorado ou marido não define o quanto sou amada ou meu valor pessoal. Parece óbvio escrever isso, mas não é. Desde muito novas, aprendemos o contrário. Através de símbolos, vemos a gata borralheira ser reconhecida e amada após ser escolhida e salva pelo príncipe encantado. Num dos episódios de Sex and The City, Carrie diz: “você já pensou que nós somos os príncipes e que nós temos que nos salvar”?
Essa palhaçada de ser escolhida me aflige. Tenho horror a isso. Por acaso, sou algum objeto para ser pega numa prateleira e ser colocada num porão ou pedestal? Sabe do que gosto? De encontrar alguém, conhecer aos pouquinhos seu jeitinho original, admirar seus talentos, de sentir cada vez mais tesão, apreciar a companhia e um monte de coisa mais. Obviamente, quando flui, adoro me sentir amada, perceber que minha presença é escolhida diante de todas as possibilidades.
O amor, para mim, pode ser lido, sim, como escolha. Porém, nunca como uma escolha do outro por critérios objetificantes. Tratar o outro como objeto tem todo o peso machista da servidão feminina, fato. Porém, não é só isso. Quando acreditamos que há algo a ser preenchido para nos “completar” também objetificamos o outro. O mesmo quando projetamos nele os nossos moldes de par ideal.
Para os lacanianos (se não entendi mal), não existe amor sem certa objetificação do outro a partir dos nossos desejos. Embora compreenda essa perspectiva, penso que para amar feliz precisamos ter em mente a máxima: ninguém existe para nos servir. E nem a gente está aqui para ser objeto do desejo de alguém. Temos, cada um, caminhos, trajetórias e desejos próprios. Somos todos sujeitos de nossas vidas, por mais que, por vezes, a gente se coloque (principalmente nós mulheres), como objetos para o outro.
Amar feliz, amar bonito, acontece quando caminhos e sonhos individuais se encontram. Assim, ao invés de dois, criamos três. Infelizmente, ainda é difícil saborearmos este tipo de amor. É comum sermos filhas de relações tóxicas, aprendermos o amor através de referências simbólicas cagadas, como os contos de fadas, as novelas, os filmes hollywoodianos. Tá vendo que não tinha como você acertar assim tão fácil? Mas, sempre é tempo de (re)descobrir o amor. De vivê-lo através de novas perspectivas. O amor é o sentimento mais bonito. Sou bem devota do amor.