Entre a entre a monogamia e a não-monogamia fico com a importância e o respeito
A noiva e a torre Eiffel - Chagall
Há semanas fui questionada se havia escrito algo sobre a não-monogamia. Ainda não tinha colocado em letras o que penso, talvez, por não ter opinião formada. Esses dias conversei bastante sobre o tema. Lembramos de uma história tensa de um terapeuta abusivo de uma das minhas amigas a e da bomba que chegou no meu colo: ele também era extremamente abusivo com sua companheira.
Como um lugar de poder, homens têm usado a não-monogamia para continuar abusando. Obviamente, mulheres também podem ser abusivas e manipuladoras em suas relações monogâmicas ou não. Usando do feminismo para acusar seus companheiros de abusivos e machistas quando não obtêm o que desejam. Rolou isso com um de meus amigos. Respeitar o desejo do outro frente aos seus, não forçar o que não pode ser forçado, perceber o limite do outro, o seu, não magoar e não se magoar, muito mais de qual modelo seguir, talvez, seja o caminho.
Me importa muito mais a escolha consciente de nosso querer e o encontro desse querer com o do outro. É preciso conversar, colocar na mesa. Negociar. Ficar ou ir diante da impossibilidade de encontros. Se relacionar afetivamente é mais difícil do que a amizade justamente por isso. Uma relação afetiva impõe limites por mais que o acordo tácito seja a não-monogamia. Por mais que possamos ser fluidos em nossos afetos, penso que toda forma de amar está vinculada ao desejo de ter quem amamos por perto. O ciúme existe no mundo animal. A monogamia existe também no mundo animal.
No desenvolvimento social ocidental capitalista, o homem encontrou na monogamia uma forma de manter o controle sobre os bens materiais e também sobre as mulheres. Se estamos no lugar de objetos, eles sempre nos consumiram em série. Hoje, muitos, como o terapeuta abusivo, têm usado a não-monogamia para continuar no poder (ou pelo menos sentindo que tem mais poder), no lugar de objetificação feminina. E o pior: sem consciência crítica sobre suas ações, já que se colocam como os grandes desconstruídos; sem revisar seu machismo e misoginia.
Minha amiga, quando terminou uma relação, descompensou e buscou apoio na psicanálise. Além de finalizar uma sessão de forma debochada: “volte para seu tinder”; o terapeuta abusivo a fez acreditar que não existia no mundo homem para ela, só por ser uma mulher resolutiva. Saber colocar o cabo HDMI na televisão e reservar o restaurante, não significa que ela estava tirando o lugar de homem de seu companheiro. Inclusive, ela me contou: recebia café da manhã na cama com frequência, ele gostava de mimá-la com atenção e comida. A relação não chegou ao fim por atitudes da minha amiga. Impressionante como culpar a mulher é lugar comum até nos consultórios, quando tudo que precisamos é de amparo. Como se já não tivéssemos tantas culpas.
Quando ouvi o relato, fiquei com ódio. Fiz de tudo para desconstruir sua culpa, diagnostiquei o terapeuta como machista. Porém, não esperava os caminhos da vida. Dei match com ele num aplicativo sem saber. Vejam só, o mesmo homi que a criticou por estar no tinder. Quando soube, montei um plano de vingança - sol na casa 8, vamos colocar a culpa na astrologia -, mas não deu tempo. Tenho rompantes de vingança, confesso. Mas sou boazinha demais para pôr em prática. Pelo menos, estou expondo o escrotinho aqui.
Tendo amigos em comum, descobri: com a desculpa de desconstruidão não-monogâmico, psicanalista sensível (e muito gato, o que ajuda na escrotisse), o homi estava adoecendo sua companheira. A enchendo de culpa e de crises de ansiedade. Nada novo. O padrão de muitos é exatamente esse. Mesmo tendo acesso ao conhecimento, ele não conseguiu perceber seu recalque. Inclusive, escolheu uma companheira médica, branca (ele homem negro) e fez de tudo para se autoafirmar superior. Como oprimido, não percebeu seu desejo de poder para oprimir. Não percebeu sua misoginia.
Não estou contando essa história para desqualificar a não-monogamia. Vivemos uma grande crise nos papéis de gênero e esse movimento pode contribuir. Principalmente, quando estamos abertos a transformar o sentimento de posse, o poder estabelecido nas relações. No entanto, homens têm usado a não-monogamia como desculpa para permanecer no mesmo lugar, não se revisando. E se a não-monogamia não é nosso desejo interior, como sempre, vamos nos sentir culpadas por não sermos tão “desconstruídas”. Ou vamos ceder e nos adoecer. Quais são seus desejos e limites?
Como sempre digo, o machismo precisa ser encarado como uma patologia social. Precisamos buscar meios científicos para nos tratar individualmente e coletivamente. Não há formas de desenvolvermos relações terapeuta-paciente, homem-mulher, homem-homem, mulher-mulher, ser-humano, com respeito, importância e amor se não encararmos a profundidade desse problema. Amor é liberdade, mas também é cuidado. Amor não é poder. Amor não é passar por cima dos desejos do outro para priorizar os nossos ou nossas feridas. Afinal, o que é um homem ou uma mulher de valor nessa porra de sociedade? Quem ama de verdade se importa em não ferir, em não se ferir. Esse é o modelo de relacionamento ideal para mim.