Entre o desejo e a obrigação social de se tornar mãe: o que queremos? E como queremos?

Mãe com crianças e laranjas de Pablo Picasso

Quando iniciei o doutorado em 2017, com 30 anos, fiquei preocupada se daria tempo de ter filhos, mas sem pensar se realmente queria ser mãe. Estava com medo do tal do relógio biológico. Fazendo contas. Depois de alguns anos, desapeguei. Concluí: se um dia rolar, rolou. E tinha certo pânico de ter filhos da minha barriga. Agora na gravidez, tenho me surpreendido o quanto estou tranquila.

Até o momento, tive diferentes pensamentos em relação à maternidade. Vontade de não ter filhos para não afetar o planeta com uma superpopulação e consumo excessivo dos recursos naturais, vontade ter uma família grande, uns seis filhos, algo mais possível com um ou dois, depois zero, nenhum. Sentindo um medo absurdo de ser mãe.

Coletivamente temos despertado para os papéis sociais que, compulsoriamente, nos impõem. Da forma como tem sido, a maternidade é uma espécie de trabalho não remunerado. Silvia Federici, em Calibã e as Bruxas, constrói a tese de que o capitalismo se manteve e prosperou através do trabalho doméstico e reprodutivo feminino, no qual, obviamente, não fomos beneficiadas. No caso, fomos exploradas. Ainda não li a obra, mas sei: além de um fenomenal debate, ela apresenta dados concretos, fruto de 30 anos de pesquisas.

A partir desse entendimento, vejo que tem se instalado certo horror nas mulheres em se tornar mães. E com razão. Ao mesmo tempo, algum arrependimento ou angústia nas que são. Desde de que vi os dois tracinhos rosa no exame, tive vários sentimentos. Com quase 5 meses de gravidez, já coleciono alguns momentos de pânico. Ao ver minha irmã com Nina esses dias, tenho pensado muito também nos outros lados, nas delícias do momento.

Não é que os sorrisinhos e o prazer de criar outro ser compense. Hoje penso muito mais nas nossas escolhas, no que queremos de fato e numa criação de filhos que não esteja centralizada na mãe. A sobrecarga materna é um dos grandes problemas. A paternidade ativa dentro de uma relação heterossexual, infelizmente, ainda é exceção.

Meu cunhado, por exemplo, que sempre quis ter mais de um filho, após o nascimento de Nina, decidiu que, por agora, para ele só há condições de tê-la. Antes até de saber que estava grávida, mas já desconfiando, estava doutrinando João: “se a gente tiver um filho vai ser 80/20”. No caso, 80% da responsabilidade é dele e 20% minha. Para além da piada, deixo nítido: o trabalho é de ambos.

Cada mulher, cada pessoa, deveria simplesmente poder escolher se quer ou não atravessar essa jornada. E ninguém contestar. Apenas isso. Antes de engravidar de Antônio, chegando aos 38 anos, confesso que estava em dúvidas. Pensando se deveria congelar óvulos. Não me parecia o momento certo para engravidar. Agora estou na dúvida se vai ser só Antônio ou se eu e João emendamos e temos mais um filho. Vamos descobrir.

Nós dois somos muito do trabalho e, algum de nós, vai precisar diminuir o ritmo. Ou ambos. São concessões. Vamos precisar construir as nossas.   Abdicar do trabalho no mundo de hoje é extremamente difícil. E quando as mulheres fizeram e fazem essa opção, sabemos das consequências, das opressões enfrentadas. Temos também o fato de que criar filhos é extremamente caro. Me parece que para as famílias de classe média, hoje é bem mais difícil do que foi na geração da minha mãe.

Para esvaziar a mente tenho assistido muito às Kardashians. Amo acompanhá-las. Nada é muito por acaso. Vivendo a gravidez de Antônio, tenho consolidado o entendimento do quanto os laços familiares são importantes para mim. Meu desejo real nesse momento é: ter bastante recursos para poder vivenciar tudo isso. E encontrar meios de equilibrar os pratinhos. Afinal, além do projeto família, tenho muitos outros extremamente importantes para mim.


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Eu, menina branca, nunca fui parada pela polícia. Depois de me relacionar com João, isso passou a fazer parte da rotina. 

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De modo geral, odeio motéis. O proibido, o vulgar, em nada me atrai.