Entre a iluminação e a surtação: onde você prefere estar?
Adoro ler textos budistas e espirituais sobre como sair da energia do controle, silenciar os pensamentos, estar no agora, atingir estados de iluminação. Porém, confesso: amo uma surtação. Por vezes, sou da yoga, da saudação ao sol, e também do after na praia depois de uma noite de farra ou da piração de trabalhar por 24 horas sem parar. Poderíamos ser tudo ao mesmo tempo? Experimentar os extremos opostos?
Não seria feliz sendo uma monge budista, essa é a verdade. Uma vida contida, sem, por vezes, ultrapassar limites, se entorpecer de prazer não me parece ter tanta graça. Leonina com lua em áries. Hedonista, surtada e muito mais.
Sou bastante conectada às coisas terrenas. Inclusive, algumas perspectivas espirituais apontam para a necessidade de não negarmos nossa condição terrena. Da importância de darmos espaço a nossa criança interior, entrar e sair das emoções, saber brincar. Embora parte do meu trabalho tenha uma característica mais séria e pesada de debater os papeis de gênero, de combater o machismo, grande parte nos convida a relaxar.
Agora, estando grávida, por exemplo, já pensei inúmeras vezes o quanto deveria parar de beber álcool para sempre. Antes da chegada de Antônio, nunca tinha ficado sóbria por mais de um mês. Bebo desde o início da vida adulta e com frequência. Cervejinha sempre foi meu sobrenome. Apesar de ainda beber sem álcool, estou gostando bastante de não consumir a substância por um tempo. O corpo funciona de outra forma. Se não conseguir zerar para sempre, o que provavelmente não vou, quero diminuir.
No fim, gosto da minha busca por estabilidade diante de tanta instabilidade que há também aqui dentro. Sou meio viciada em autodesenvolvimento. No entanto, às vezes, esqueço tudo que aprendo. Prefiro estar no futuro e não no agora. Minha cabeça tem necessidade de ficar elaborando projetos. E para isso, é preciso ir além. Pensar, pensar, pensar, planejar, traçar rotas. Ir modulando como alcançar sonhos, desejos. Seria eu visionária ou ansiosa? Ou as duas coisas ao mesmo tempo?
Da mesma forma, preciso, por vezes, ser mais emocional do que racional. Nem sempre a razão se conecta com nossa intuição. E a emoção, embora possa transtornar, também nos traz perspectivas sobre nós mesmas. Pedaços que precisamos olhar. Podem ser nossos vazios, medos, vontades ainda não percebidas. Tanta coisa ao mesmo tempo… Vejo a prática moderna de anestesiar as emoções através de medicamentos, hiperprodutividade ou outros excessos como perigosas, alienantes.
De fato, precisamos sair da angústia profunda, dos vícios. Precisamos sim de muitas curas. De remédios psiquiátricos para sobreviver em alguns momentos. E, principalmente, de mais compreensão do que é a natureza humana. Aceitação de quem somos - seres contraditórios e nem sempre lineares. Como superar as ansiedades e medos se não olhamos para eles? Se não nos acostumamos a sentí-los e depois mandá-los a merda?
Tenho aprendido: não há iluminação sem experimentação. Para experimentar, para ser, é preciso coragem. Saber pensar com nossa própria cabeça e não com as que dizem como devemos ser. Também tempo a ser perdido. E num mundo de tantas demandas, tanta produtividade, não temos tempo a perder. Perder não é nem a melhor palavra, mas você deve ter entendido o que quis dizer.