Estaríamos nós mergulhados na cultura da escassez e infelicidade?
No início do ano passado, escrevi uma crônica que emocionou vocês. Sei pelos comentários e pela quantidade de compartilhamentos (até hoje, de vez em quando, alguém a descobre). O texto se chama Ando me sentindo uma velha: só quero amar e aproveitar a vida.
Quando escrevi, estava num momento tranquilo e feliz. Como se tivesse vivido o sabor de uma descoberta. Quem me dera se pudesse ser sempre assim. Ou não, porque se fosse sempre assim talvez a gente não saísse de certos lugares. Lendo o livro de Brené Brown, A coragem de ser imperfeito: como aceitar a própria vulnerabilidade, vencer a vergonha e ousar ser quem você é, acabei fazendo uma conexão desse momento passado com o presente.
Os últimos meses não foram fáceis para mim, por vários aspectos. Para quem gosta de astrologia e acompanha os trânsitos, as coisas andam bagunçadas. Pode ser que por aí também esteja rolando certas turbulências. Da minha parte, chegando aos meses finais da gravidez, fui me deparando com a vulnerabilidade.
Estar vivo é estar vulnerável, embora nem sempre tenhamos a percepção. A gravidez trás com mais força esse espelho. E lidar, por vezes, não é fácil. Sentimos medos, criamos paranoias, andamos, por vezes, em círculos sem sair do lugar. Tudo que precisamos é aceitar: somos vulneráveis. Não há nada a ser feito. Obviamente, há estratégias para vivermos melhor, com mais plenitude. Aceitar a nossa vulnerabilidade, talvez, seja uma das mais importantes.
No livro, Brené Brown aponta três lições sobre como podemos nos conectar mais facilmente à alegria. A primeira nos diz: a alegria não é um sentimento perene, não podemos a deixar passar despercebido, a alegria está nas coisas simples, no afeto do dia a dia. A segunda se relaciona com a gratidão. Nos tempos coaches, ser “gratiluz” virou piegas. Mas, a autora fala sobre celebrar a vida, o que temos, por uma energia de valor sobre o que nos cerca. E, por último, não devemos desperdiçar a alegria nos preparando para perdas e tragédias. Eu estava fazendo isso.
Esse trecho de A coragem de ser imperfeito diz muito: Sim, se entregar à alegria pode ser desconfortável. Pode dar medo. E com certeza é colocar-se numa posição vulnerável. Mas sempre que nos permitimos nos entregar à alegria e ceder a esses momentos, nós fortalecemos nossa resistência e cultivamos esperança. A alegria se torna parte de quem somos, e, quando coisas desagradáveis acontecem – e elas acontecem mesmo –, nós estamos mais fortes.
Não temos como saber o que vai acontecer no futuro, dos infortúnios, das más escolhas ou más investimentos que fizemos, das traições, derrocadas, dos acontecimentos trágicos. Estamos tão imersos na cultura da escassez e infelicidade, só estando no lugar de vítima ou de guerreiro, que, invariavelmente, fica difícil apreciar o agora, o nosso caminho, tudo que somos, temos, o que já fizemos.
Estar vivendo esse grande acontecimento que é a chegada de um filho é extremamente assustador, um encontro com a vulnerabilidade. Para você, pode ser o início ou o fim de um relacionamento, a transformação ou um desejo de mudança na sua vida pessoal ou profissional ou até um acontecimento difícil ou surpreendente. Viver acontecimentos que mudam o curso de nossa vida faz parte. Todos sabemos o que é isso. E por sabermos, esse é o tipo de narrativa que conecta mais. Quem falou sobre foi o dramaturgo Bertolt Brecht.
Por estarmos tão conectados com as narrativas de tragédia tão comuns nos noticiários, novelas, séries e filmes, as nossas próprias e também as das pessoas que nos cercam, será que não vamos destreinando nosso músculo da alegria? Da gratidão? De não precisar esperar sempre pelo pior? Deixando, assim, de apreciar toda beleza da vida? A sorte que já nos cerca? Escrevo hoje para mim e também para você.