Como ser mulher e viver a vulnerabilidade necessária ao amor? E, ao mesmo tempo, se proteger das violências comuns?

 Cena de Sex and the City

Tenho pensando sobre essa equação. Esses dias, conversando com uma amiga, ela me contou da culpa por ter deixado sua relação, permeada de bandeiras vermelhas, ir tão longe. A entendo. Passei anos com ela após sair de uma relação abusiva e ficar pensando: como me deixei viver isso por tanto tempo?

E não só essa relação. Tive o mesmo sentimento de culpa depois do fim de outros relacionamentos, mesmo os que não foram formais, em alguns casinhos curtos e em outros longos. Como quase tudo naturalmente é culpa nossa, como recebemos a mensagem constante de que somos as responsáveis, inevitavelmente, vamos coletando culpas, mágoas, traumas, criando estratégias inconscientes para não lidar com a vulnerabilidade, com o desconhecido.

Veja que contraditório: não é difícil permanecermos em relações ruins apenas pelo medo de lidar com o novo, com a vulnerabilidade de estar só. Outra coisa comum a ser observada são nossas escolhas inconscientes por relações que não tem como prosperar só para não lidarmos com uma relação real, com os desafios do dia a dia e as dores comuns a qualquer relação, inclusive, as saudáveis.

Desde que iniciei meu relacionamento com João fico sempre em estado de alerta, avaliando, medindo, criando juízo de valor sobre seus vários aspectos e faces. Não quero “acordar” novamente e perceber que estava mergulhada, mais uma vez, numa relação violenta. 

Mas, no fim, não temos como controlar. Por mais que possamos nos proteger de algumas maneiras, não temos como prever integralmente como o outro vai se comportar. Não tem nada que possamos fazer para garantir que o outro não vai ultrapassar nossos limites declarados, não nos abusar ou violentar. 

Lidar com isso, tenho pensado, é extremamente necessário para vivermos o amor em sua plenitude. Os amores saudáveis e os não tão saudáveis. Inclusive porque as linhas divisórias, por vezes, são tênues. Podemos e devemos treinar os nossos olhares para tecer melhores julgamentos. Acho fundamental. Porém, certezas só teremos com algum afastamento. Muitas vezes, só depois do desencanto. A personagem Carrie, de Sex and The City, por exemplo, só está percebendo o quanto sua relação com Big foi tóxica alguns anos após a morte do marido. Bem oportuna essa escolha de roteiro.

Pessoalmente, me senti um pouco mais segura para viver a vulnerabilidade necessária ao amor, mesmo que ainda cheia de medos, quando fui contornando aspectos da minha dependência. Faço esse trabalho de difundir a autonomia feminina de várias formas exatamente porque esse tem sido o meu percurso. Entender nossa dependência, para mim, é o que mais pode nos ajudar a nos livrarmos de roubadas. E também fui me sentindo mais segura quando me percebi mais treinada para ir embora sem tantas dores. 

Sempre soube ir embora, mas demorava e essa demora me incomodava, me deixava estagnada por muito tempo. Pode ser que eu demore a ir embora outras vezes também, caso necessário. Não há como prever que iremos agir exatamente como dita nosso ideal. No meu caso, só me sinto mais experiente. 

Mas, como ter experiência se não experimentarmos? Se não nos permitimos viver para também aprender? Então, talvez, uma grande lição seja se permitir a nos entregar ao fluxo da vida, aos sabores e dissabores, a irmos desbravando o desconhecido sem tantos medos e culpas. Não deixando, porém, de ter força, firmeza, de cortar o mal quando ele for surgindo. De retraçar rotas quando se fizer necessário. De mudar de paisagem mesmo que, ainda, sem decretar certos fins.


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