Maria, mãe de Jesus, como arquetípico a ser seguido: já pensou como isso te afeta?
Semana passada, compartilhei um corte de um dos meus filmes preferidos, Histórias de um casamento, disponível na Netflix, escrito e dirigido por Noah Baumbach. Nele, a advogada que representa Nicole no divórcio, Nora, fala das diferenças de expectativas entre pais e mães, citando Maria, mãe de Jesus, como grande modelo colocado para as mulheres em nossa sociedade judaico-cristã.
Gostaria de ir além do aspecto da mãe. Tenho pensado há tempos sobre como o arquétipo de Maria, bondoso, condescendente, abnegado e sofrido, acaba sendo extremamente desumano para nós, mulheres. Gosto mesmo da Deusa Kali, cortadora de cabeças.
Pode parecer contraditório com o que acabei de afirmar, mas não me sinto bem vendo narrativas permeadas de violência. João, como a maioria dos homens, por vezes, gosta de assistir. Acabei me rendendo a ver com ele a série Vikings. Às vezes, antes de dormir. Fico me enchendo de cortisol bem nesse momento.
A trama, porém, é interessante para pensarmos na diferença das narrativas religiosas. De um lado os cristãos e do outro, os chamados de pagãos. Os deuses nórdicos, por exemplo, têm características mais próximas dos humanos. As mulheres não são queimadas como bruxas ou por traírem seus maridos. Para eles, o conceito de traição é diferente. Inclusive, o prazer não é definido como algo errado ou pecaminoso.
Trabalhando com o prazer e difundindo a palavra do Perfeito, sem Defeitos, recebo com frequência depoimentos que retratam os bloqueios na sexualidade vindos das religiões cristãs. Você, por acaso, conseguiria imaginar a figura de Maria, mesmo sendo uma mulher comum, chegando lá? Se deleitando nos braços de José? Ou com outra coisa qualquer?
Para mim, o prazer feminino é revolucionário por isso. Ele simplesmente devolve nossa humanidade que constantemente nos é negada. Muitas mulheres de todas as gerações precisam, infelizmente, fazer esse percurso de encontro ao prazer porque a narrativa cristã o bloqueou, o demonizou. Criou para o nosso desejo, o nosso prazer, todo um conceito de pecado.
E quando temos nosso prazer reprimido, falo do prazer de forma ampla, o que nos resta senão tolerar o sofrimento? A dor? Fazer, fazer, doar, doar, sem nada esperar receber.
Interessante como em nossa sociedade são poucos os homens que seguem o exemplo de Cristo. Mas, como muitas mulheres buscam seguir o exemplo de abnegação de Maria.
No fim, tudo se torna conveniente ao lugar de subalternidade que nos colocam. De humanos de segunda ordem, postos para servir. Embora, inegavelmente, abracemos o arquétipo de Maria, afinal somos socializadas a partir dele, também é preciso definir limites. Não quero ser santinha. Por vezes, o lugar de demônia me cai melhor.