O poderoso clitóris não está sendo descoberto, ele só foi esquecido
Cachoeira - Hiroshi Senju
Lembro de estar na rede numa pousada em Porto de Galinhas lendo as páginas lacradas da revista Nova. Queria aprender a ter orgasmos mais facilmente. Devia ter uns 20 anos. Não lembro se estava namorando ou se foi logo após o término de uma relação mais longa iniciada aos 15. O lance era: naquele tempo, quase nunca conseguia gozar durante a relação sexual e isso me angustiava. Hoje em dia, graças às deusas, é raro não gozar. Só se eu não quiser ou tiver bebido além da conta. Mas até nisso o perfeito, sem defeitos, ajuda. Com ele, nunca ficamos na mão.
Naquela época, não havia ainda descoberto o clitóris, nem meu namorado. Só o descobri anos depois quando fiz intercâmbio e passei a fazer sexo virtual. Nesse período, já devia ter uns 23 anos. Além dos pornôs degradantes, já rolavam uns blogs com informações legais. Com um pouquinho de mais acesso à informações e com a ajuda do boy, que devia estar com medo de eu sair dando pra geral, fui descobrindo. E olhe: já havia me masturbado, mas sem usá-lo. Antes, até os vibradores consideravam apenas o canal vaginal. Não por acaso, o sugador de clitóris é revolucionário. O vendo por isso (link na bio).
Bem, me mapeando como uma pequena amostra da sociedade brasileira, branca, classe média (ativamos o modo pesquisadora, quem leu o manual do perfeitinho entendeu), podemos até considerar que foi algo relativamente rápido diante de todos os paradigmas (palhaçadas) do mundo ocidental e patriarcal. A gente fica nessa de que o clitóris está sendo descoberto numa narrativa meio colonial, como se antes ele não fosse um território ocupado por milênios e milênios. Se o prazer feminino é meio capenga por aqui, por agora, não significa que não haja conhecimento ancestral sobre ele.
A ciência, por exemplo, desconsidera há tempos a anatomia da mulher e fica numa discussão sem sentido se a ejaculação feminina existe ou não. Meninas que compraram o perfeito, favor enviar fotos das camas molhadas para os cientistas (brincadeira). Enquanto isso, a tradição de um povo conta mais sobre a sociedade do que homens brancos, americanos ou europeus, enfiados em laboratórios e devotos de um método científico limitado possam prever.
Em Ruanda, um país localizado na África oriental, sem acesso ao mar, porém banhado por muitos lagos e rios, há o mito de que suas águas são alimentadas pelo jorro de suas mulheres durante o sagrado ato sexual. A ejaculação feminina lá é tradição porque o conhecimento do poderoso clitóris é ancestral. Para um homem tradicional de Ruanda, não fazer sua mulher jorrar é desmérito, o faz se sentir incapaz e infeliz. Eles bem que podiam dar uns cursos para os homi de cá, né? Para quem quiser saber mais sobre essa história, é só assistir o documentário Sacred Water dirigido por Olivier Jourdain.
O assistindo, me veio à mente a história de duas mães que compartilharam comigo o fato de ter comprado dois perfeitos, sem defeitos - um para si e outro para as filhas iniciando a vida adulta. No doc. algumas mulheres mais velhas ensinam como manipular o clitóris com ajuda de ervas para conduzir as mais novas a experienciar sua primeira ejaculação. Uma cultura que prioriza o prazer feminino é bonita demais. Emocionante! Por outro lado, já podem ficar putas, tem um monte de mercenários de fé invadindo os países africanos e difundindo uma evangelização opressora.
Voltando a ejaculação feminina - coisa normal, todas podemos ter -, para chegar nela só é preciso saber usar o clitóris. Como não temos ainda essa habilidade, o perfeito, sem defeitos, é uma ferramenta. Tenho recebido muitos feedbacks e fico feliz por estarmos a desvendando. Aprendemos sobre ela através da indústria pornográfica. Até nosso poder de jorrar foi embrulhado e objetificado como performance para o prazer masculino. Porém, um dia eles descobrirão o real prazer vão perceber o tempo perdido. Não valorizar o feminino será uma dívida difícil de ser quitada.
Para mim, o sexo é um universo sagrado. E não quero aqui ligar a palavra sagrado a nenhum outro tipo de performance xangrilá porque isso me irrita bastante (lua em áries). Acredito que qualquer performance nos desloca do sentir. Sexo é muito mais sentido, do que falado ou fisicamente performado. No fim, dentro da minha pouca experiência, o sagrado do sexo ou sexo terral (como algo que conecta a terra, prefiro chamar assim), acontece devido à conexão de dois seres que se entregam. Sem domínio, sem consumo, com os sentidos muito aguçados para dar e receber e também com intimidade e amor.
Numa sociedade machista, isso acontecer é um evento raro, sabemos. Mas sempre há um encontro especial a cada esquina. E quanto mais a gente evolui, descobrimos sozinhas toda a nossa potência de prazer, mais exigentes ficamos e, naturalmente, obrigamos (para as hétera que nem eu) eles a crescer. Por isso, redescobrir o poder do poderoso clitóris é mais que necessário. É uma revolução em muitos sentidos, tenho a certeza.