O que aconteceu com Cíntia Chagas mostra o porquê homens precisam ser castrados em sua masculinidade.
Amo receber joias de presente. Gosto por serem quase objetos permanentes. Infelizmente, podemos perdê-las ou elas podem ser roubadas. Minha mãe simbolizou muitos momentos especiais da minha vida e da vida das minhas irmãs nos presenteando com joias. Nada muito caro. João sabe do meu gosto e me deu uma quando assinamos nosso contrato de união estável. Quando me coloco nesse lugar, estaria eu assumindo meu papel de mulher e João assumindo seu papel de homem?
Essa discussão que circula nas redes de quem deve pagar a conta num restaurante - fico abismada como estamos nos tornando cada vez mais estúpidos - é completamente sem sentido. João não vai se sentir castrado em sua masculinidade se pago o nosso jantar vez ou outra, ou se dividimos a conta. Vez ou outra, quero mesmo que ele pague a conta toda. E não é porque ele é homem. É porque estamos num relacionamento, num casamento.
Casamento não deveria ser uma hierarquia de poder. Lembremos: dinheiro é poder. Quem paga detém o poder. Casamento só faz sentido quando estabelecemos uma profícua sociedade. Para dar certo, ambos precisam ter planos comuns, fazer esses planos acontecerem, buscar, construir, crescer, ser apoio mútuo.
A vida vai tendo diferentes ciclos, de construção e colheita que podem não estar sincronizados entre os parceiros. O que precisamos observar, o que tenho observado, é como se porta o fluxo entre dar e receber, não só no dinheiro, em tudo. É aí que precisa haver certo equilíbrio. E o gênero não importa. Ou, pelo menos, não deveria importar.
Cada mulher que julga que tem que ser submissa ao seu marido seja por religião ou qualquer outra razão, ainda não compreendeu que essa submissão histórica significa se sujeitar a uma série de violências, exatamente como aconteceu com Cíntia Chagas. Significa estar num lugar de objeto, de servidão para o outro, de obediência, de desamparo. Não de construção de uma sociedade mútua bem-sucedida. De um casamento.
Não conheço uma mulher que queira castrar a masculinidade de um homem pagando as contas que são da responsabilidade dele, não o deixando assumir seu papel de pai, cuidador e protetor. Não faltam, na verdade, homens que se esquivam de suas obrigações, que são ausentes na rotina e na educação de seus filhos, que acham absurdo ter que pagar pensão. Não faltam homens, mesmo casados, displicentes com suas companheiras, não as nutrindo com proteção, cuidado e afeto.
Amo as narrativas do mundo invertido, de Cláudia Campolina. Muito do que ela diz em tom de absurdo, a exemplo de que os homens são animalescos e precisam ser domesticados, acaba, infelizmente, fazendo sentido. Se entendem que o papel do homem é dominar, arremessar facas em sua mulher, a violentar e um monte de absurdos a mais, na minha opinião, a gente precisa mesmo castrá-los em sua masculinidade.
Castrar essa masculinidade tóxica deveria ser o papel de cada mulher, de cada homem consciente. Que castremos essa masculinidade horrorosa dos nossos companheiros, dos nossos filhos e também a nossa própria. Não existe na Terra um ser que não reproduza os ditames do machismo.
E sobre as joias que gosto de receber, sou eu que gosto. Você não precisa gostar. Dar joias não é o papel de um homem. Usar joias não define uma mulher em mais ou menos feminina ou em seu valor. Na minha família, inclusive, conheci essa tradição através das mulheres. Ela não é símbolo de masculinidade ou feminilidade. Ela simboliza, de alguma forma, crescimento, apoio e amor. Consegue perceber essa sutil diferença?