Como diz Chimamanda Ngozi Adichie, sejamos todos feministas.

As dez maiores, n°6, de Hilma af Klint

Rolf foi um grande parceiro de carnaval da minha avó. Como primo mais velho, ainda rapazote, a carregava nas costas no meio dos bailes. Minhas memórias de criança contemplam cenas dos dois me levando juntos para as ruas de Olinda, para ver o carnaval. Em plena folia, faziam passos, brincavam, ainda os consigo enxergar nesse passado. Passei anos da minha infância e adolescência em sua companhia. Quando havia perrengues familiares, ele sempre estava a postos para ajudar.

Mesmo sem muita consciência sobre as questões de gênero, ficava possessa quando ele dizia que bebida de mulher era vinho doce. Homens, bebiam whisky. Minha avó sempre o presenteava com uma garrafa. Nunca gostei de vinho doce, talvez tenha aprendido a tomar whisky por pura teimosia. Para mim, nunca fez sentido esse negócio de “coisa de homem” ou “coisa de mulher”. 

Quando tinha uns 16 anos e minha mãe havia viajado no fim de semana, a liguei perguntando se podia dormir com meu namorado em casa. Escutei um sonoro NÃO e um “está louca, Daniella?!”. Não via nada demais no pedido. Além de requerer sua autorização, qual o problema de dormir com meu namorado? Minha geração tinha que viver sua sexualidade escondida, não havia tanto diálogo. Muitas vezes, repressão pesada. Criação de infinitos bloqueios e traumas. 

Os homens da minha geração, das anteriores e também das próximas, também sofreram e sofrem traumas sexuais. Não pelas mesmas razões. Mais ou menos como se todos fossem obrigados a gostar de whisky. Afinal, essa é a bebida de homem. Mulheres direitas precisam ser recatadas, não podem sentir prazer ou falar da sexualidade. Homens, pelo contrário, precisam iniciar sua sexualidade prematuramente, consumir infinitas mulheres, nos objetificar. Senão, não são homens. São “maricas”, “fracos”.

Quando falamos de todos os abismos de gênero, quando clamamos para que mulheres, homens e todas as pessoas sejam feministas, é porque acreditamos que meninos e meninas não devem ser tratados de forma diferente simplesmente porque nasceram biologicamente diferentes. É porque acreditamos que todos devem viver sua essência sem moldes. 

O feminismo clama por igualdade de gênero, que mulheres não sejam mortas e violentadas só por serem mulheres. Também para que homens não sejam moldados para serem agressores, seres perdidos e sem caráter. 

Grávida agora de um menino, já preocupada, tenho repetido constantemente para João: Antônio precisa ser criado com muito afeto, com muito colinho, com muito acolhimento para todos os sentimentos que possam surgir. Nossa sociedade costuma criar homens de forma bruta, para não se tornarem “maricas” e, ao mesmo tempo, protegem os seus crimes. O que é um completo contrassenso. 

E não só com homens brancos. Os crimes sexuais recentes cometidos por jogadores negros mostram o quanto a sociedade ainda é condecendente com os homens de forma geral. Afinal, verdade seja dita: é exatamente essa construção de gênero perversa que os empurra para esse lugar de “predador sexual”. Nitidamente, os que estão em espaço de poder são mais protegidos. As estruturas de opressão operam de forma integrada.

O que pontuei não se trata de ideologia. São fatos. Queria você ou não perceber. Por isso, concordo com Chimamanda quando ela afirma: a meu ver, feminista é o homem ou a mulher que diz: “Sim, existe um problema de gênero ainda hoje e temos que resolvê-lo, temos que melhorar”. Todos nós, mulheres e homens, temos que melhorar. Portanto, se você gostaria de pensar mais a respeito, longe da ideologia, te convido a ler o livro ou assistir a palestra Sejamos todos feministas dessa tão brilhante autora.


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