Nós, mulheres, não aprendemos a estabelecer limites.
Quando escrevo algo relacionado a masculinidade e suas perversidades, quase sempre, surgem comentários do tipo: nem toda mulher é vítima; não sabemos fazer escolhas; o machismo existe porque criamos nossos filhos assim. Em resumo, nós apanhamos porque gostamos. Afinal, somos Evas e toda culpa e toda responsabilidade do mundo é nossa. Apenas nossa.
Concordo que precisamos fazer melhores escolhas quando se trata, especialmente, dos relacionamentos. Mas, como fazer boas escolhas se não temos ferramentas? Conhecimento? A autonomia, se perceber como um sujeito, é uma jornada no qual muitas mulheres não embarcaram. Boa parte de nós ainda está no lugar de objeto para o outro. De só se sentir amada a partir do olhar do outro.
Há tempos me encaro como objeto de pesquisa para construir minhas próprias teorias, mapear sentimentos. Uso minhas amigas de cobaias, vou observando suas vidas ao longo de décadas, quando possível. Amo ouvir histórias exatamente por essa razão. E fico feliz quando ouço as de vocês.
Já me sintonizei em muitas frequências. Já tive dificuldade de sair de relações tóxicas. Simplesmente porque vivi momentos felizes, de conexão, de coisas que se ligavam aos meus planos, meus desejos. Dessa forma, fui ignorando a parte ruim, não impondo limites, cedendo mais do que devia. Prolongando sofrimentos. Já senti quase tudo que você sente. Eu te entendo.
Temos padrões semelhantes. Pela forma como fomos criadas, pelas narrativas que consumimos. Tem a fantasia do amor romântico, do príncipe encantado, de que nossa função é resolver, cuidar. Somos formatadas para sermos dóceis, belas, usar saltos, roupas apertadas, puxar pêlos da raiz. Quando nos ensinaram a impor limites? A perceber nossos desejos? A comunicá-lo? A não tolerar a dor? Permanecer ao lado de um homem que nos agride física e psicologicamente, infelizmente, acaba fazendo parte do pacote de padrões.
Todas nós, todas, sem exceção, precisamos construir um grande ponto de virada em nossas vidas. E não sei se é um momento onde tudo, daqui para frente, vai ser diferente. Venho construindo meu ponto de virada há décadas. Como um ser obcecado, vou buscando conhecimento, lendo a respeito, analisando o meu redor, a mim mesma, fazendo infinitos processos terapêuticos, experimentando.
Impor limites, comunicar o que sinto, foi um aprendizado. Fiz um imenso laboratório ao passar quase 10 anos solteira - ou sem um relacionamento formal, porque relacionamentos, tive vários. Essa semana completo um ano ao lado de João. Olhando para o início do nosso namoro-casamento, percebo o quanto evolui e como ainda tive dificuldades. Cheguei a sentir angústias por não falar o que devia ser falado, por não acordar logo o que deveria ser acordado. Hoje, posso dizer: tudo está vomitado, conversado.
E nem sempre é sobre falar, muitas vezes é sobre agir. Não adianta comunicarmos, impormos limites, se a outra pessoa insiste em ultrapassar. Fui me doutrinando para aprender a ir embora sem olhar para trás, sem me apegar a migalhas de felicidades ou a minha expectativa do que poderia ser. Não foi fácil, pode ter certeza. Vivi, por exemplo, uma relação que, entre início e fim, durou mais de seis anos. Acabou comigo dizendo: “se você me ver na rua, não fale nem comigo, finja que nunca me conheceu”.
Aprender me parece o caminho. Sobre isso, nós mulheres estamos fazendo um ótimo trabalho. Embora ainda enfrentemos infinitas dificuldades, estamos falando sobre, nos educando aos poucos, buscando ferramentas, caminhos. E os homens quase nada… Para os incapazes, que aprendamos a dizer “finja que nunca me conheceu” e que tenhamos coragem para seguir sem medo.