O prazer feminino é revolucionário por muitas e muitas razões

Ametista, a pedra preciosa - Alphonse Mucha

Tenho estado bastante pensativa. Sobre os caminhos da vida, do trabalho que tenho feito por aqui discutindo sobre relacionamentos, sexualidade, divulgando a palavra do sugador de clitóris e de todas as histórias incríveis que tenho escutado. Como um depoimento de uma mulher de 55 anos que nunca havia chegado ao orgasmo e depois de comprar o perfeito, sem defeitos, conseguiu chegar lá. Isso, de fato, me faz me sentir grata por poder fazer o que faço. E me incentiva a continuar de muitas formas. As questões de gênero me atravessam. Contribuir, de alguma maneira, tem me enchido de felicidade.

Outro depoimento super longo de uma mulher jovem, de trinta e poucos anos, igualmente me chamou atenção. Ela contou ter sofrido repressões horríveis do pai. Por isso, sempre que gozava chorava de culpa. Em breve vou compartilhar esse relato na íntegra. Ele é interessante para pensarmos o quanto a sexualidade nos foi negada. Apesar de viver num ambiente menos opressor, também ouvi absurdos. Aquelas coisas clássicas: “mulher fácil não é valorizada”, “mulher que vive rodeada de homem é puta”, “se ele tem tudo de você, não vai ter interesse em casar depois” e todos os blá, blá, blás. 

E eu sou do tipo: por favor, me coma. Nem me chame para um date se não for transar comigo. Para mim, não há forma mais interessante do que conhecer alguém transando. O sexo revela muito das personalidades. Das conexões que se fazem especiais. Tem muito ali no momento de intimidade. Não faz sentido qualquer tipo de bloqueio nesse tipo de conexão humana tão sagrada. Não faço ideia de como consegui não introjetar essas crenças bizarras. De como nasci com esse chip trocado. Lembro de falar com muita propriedade aos 12, 13 anos que faria sexo no dia que quisesse e quando me sentisse pronta. Com ascendente em caprica, sofro da síndrome de Benjamin Button. Hoje sou muito mais jovem do que, por exemplo, quando tinha 21 anos. 

Transei a primeira vez quando quis. Tenho problemas em muitas questões, mas penso que me relaciono com sexo e prazer de uma forma saudável. Talvez, por isso, consiga contribuir. Se existe essa coisa de propósito na vida, talvez tenha nascido com o chip trocado por isso. Vejo a libido como nossa pura potência de criação. Quando não estou bem, costumo identificar justamente pela falta de tesão. Enquanto, de modo geral, para as mulheres essa potência da libido foi reprimida, para os homens foi vulgarizada. São as construções de gênero discutidas na última semana que nos empurram para esse lugar. No fim, por mais que exista uma dinâmica muito nítida de quem é oprimido e quem é o opressor, estamos todos na merda.

Ontem foi ao ar o último episódio da segunda temporada de The White Lotus. O criador Mike White é genial em retratar as contradições humanas. Não somos mocinhos e bandidos. Em algum lugar, somos todos vilões e vítimas. Amei as três gerações de homens da família Di Graso. O vô encerrou dizendo que o calcanhar de Aquiles do homem é o pênis. Eu discordo. Para mim, é a falta de habilidade para viver o amor. Não foram as traições que levaram seu filho a perder o casamento. Foi essa socialização que leva homens a terem necessidade de consumir mulheres em série, a trair. A lacuna é a das relações saudáveis, incluindo com a própria sexualidade. Dominic Di Graso culpou o pai por sua infelicidade. E ele não está errado.

Dentro do movimento das transformações que estamos vivenciando, principalmente com a internet, as discussões sobre a sexualidade, embora existentes, não me parecem ter tanto alcance. Afinal, no Brasil vivemos o horror de uma era Damares. Também estamos num momento (também por conta da internet) de extrema objetificação dos corpos e ideação do sexo num lugar de performance, não de tato. Além disso, nossa construção social é cristã. O sexo é colocado num lugar do impuro, da culpa. Se para as mulheres foi definido o papel da servidão, nossa sexualidade foi estrategicamente reprimida.

Lembrei de outro depoimento. De uma mulher que sofreu AVC e teve como sequelas a paralisação de um dos lados do corpo. Então, estava fazendo fisioterapia para se tratar. Contou que depois do perfeito, sem defeitos, em sua vida, a fisioterapia estava dando mais resultado. Sentir prazer faz a gente se sentir viva. Ter vontade de seguir, de criar. De transformar. Nós, mulheres, já carregamos milhares de questões. Somos infinitamente maltratadas pelos homens com quem nos relacionamos, somos vítimas de abusos, violências, pressões das mais diversas. Não ter acesso ao prazer pode nos deixar muito mais submissas, infelizes, com menos saúde  física e mental.

Enquanto homens seguem se masturbando até o fim da vida, nós somos empurradas para o lugar de frigidez. Dá uma avaliada assim por alto se as mulheres do seu círculo, tanto as mais novas como as mais velhas, têm gozado. Libido e prazer tem conexão com o poder. Se a gente não está aqui para servir ao desejo do outro, a existência do outro, quais são nossos desejos? O que queremos fazer com nossas vidas? Qual é nossa potência criativa? Quais são nossas habilidades? Como podemos servir a humanidade (não a um homem ou a família, especificamente)? Para mim, essas questões têm sido sempre um guia. 

Uma coisa que tenho percebido é: esse jeitinho chip trocado me levou para muitos lugares, me ajudou a não ser submissa. E não falo só de homens. Falo das escolhas que não eram minhas. Um dia resolvi que queria morar em outro país. Morei. Lá resolvi que queria fazer mestrado e doutorado. Fiz. Em determinado momento, decidi que queria estudar teatro. Estudei. Me descobri escritora. Tenho escrito. Quis me formar em roteiro. Me formei. Tenho muitos sonhos ainda para tornar realidade. Os tornarei. Não que eu seja exemplo, mas o que escrevi é um pouco o retrato de alguém que não oprime sua libido. É sério, não deixa ninguém, absolutamente ninguém, te parar. Combinado?!


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