O problema nem são tanto os redpill, mas a porção redpill que todo homem tem

Golconda - Magritte

Dias antes do carnaval compartilhei um manual contra assédio feito para as mulheres, concebido pela Prefeitura do Recife - super bonito por sinal - nos stories. Minutos depois uma mensagem: “vale para os homens também?” E não foi de haters. Foi de alguém especial. Fiquei incrédula. Já havia escutado coisas sem sentido dele, mas nunca desse tamanho. E logo para mim, uma mulher com quem se relacionou por anos e anos, que jamais engoliria essa. Deu a desculpa de estar me provocando. Mas, óbvio: se incomodou porque não era sobre ele. O puro suco do machismo.  

Os redpill pregam que, nos tempos atuais, as mulheres têm tido muitos privilégios. Manual de assédio agora é só para as bonitas, pensam eles (não só eles, vimos). Muitos imaginam que igualdade é ter os mesmos pesos e medidas. Cota racial, da mesma forma, seria injusta. Afinal, não somos iguais? Porém, enquanto grupos sociais, há uma estrutura que oprime e subalterniza? Ou todos temos as mesmas oportunidades e direitos? Homens foram criados no centro de tudo. Fazem birra, ameaçam de morte quando se sentem destronados. 

Me respondam honestamente, rapazes: em pelo menos em algum momento da vida, você teve seu valor pessoal atrelado a possibilidade de poder pegar - prefiro a palavra consumir - mais mulheres? Quantos são os homens divergentes desse padrão? Conheço poucos, pouquíssimos. Os redpill valorizam justamente a virilidade dos que tem mais acesso a sexo, atrelada ao poder aquisitivo. Nada de novo. Historicamente, sexo, dinheiro e, consequentemente, poder são os valores construtores da masculinidade dominante. Porém, quantas lacunas ficam? Principalmente emocionais? Somos uma sociedade que produz abusadores, estupradores e feminicidas em série. Além de homens depressivos, inseguros, ansiosos e suicidas. Quando esses grupos masculinistas reforçam esse padrão doentio, todos perdemos.

Os homens divergentes do padrão de masculinidade, percebo, têm sofrido uma série de disfuncionalidades emocionais. Não ser o provedor e o que tem poder sobre a família faz com que muitos se sintam inadequados, por mais que desempenhem papéis importantíssimos dentro de seu núcleo. A quantidade de homens com disfunção sexual só por não estar dentro desse espectro padrão também é considerável. O padrão de masculinidade, em si, na minha visão, já pode ser considerado uma patologia social. E precisamos fazer um esforço para desconstruí-lo. Mas qual o melhor modelo?

Ultimamente, dentro de meu recorte, tenho sentido mulheres muito mais saudáveis emocionalmente. E isso repercute, inclusive, na nossa capacidade de ganhar mais dinheiro. Em paralelo, tem rolado uma inveja e insegurança absurda dos homens em relação às mulheres. Não por acaso, têm surgido diversos coachs e comunidades defensoras da energia feminina. Traduzindo: para esses grupos, mulheres precisam ser subalternas para não ferir o padrão de masculinidade vigente. A real é: estamos mergulhados numa grande mudança de paradigma onde os papéis de gênero deixam de fazer sentido. Não por acaso, há tantos movimentos contrários. Pessoalmente, defendo a abolição do gênero enquanto papel social. Gostaria que fôssemos livres para seguir nossas vontades. Sem crenças ou expectativas porque nascemos xx ou xy.

Vou contar outro causo. Há um tempo, estava em Olinda com amigos, saindo de uma festa e procurando a próxima. No caminho, um deles encontrou uma paquera num bar e resolveu ficar lá dando mole. Tava afim de uma pegação, quem não gosta? A menina não deu tanta atenção. Estava com as amigas. Ele acabou indo encontrar a gente de volta. Só não consegui entender porque ele resolveu fingir que não viu a mensagem dela, tempos depois, o convidando para dormir em sua casa. Seu argumento foi: não vou, nem vou responder agora para ela não ficar apaixonada. A menina só queria tran-sar. Esse foi o convite. Meu amigo se emocionou. Será que foi por ela dominar a situação? Porque o convite partiu dela?

Não consigo entender esses medos. Mas óbvio: já vivi isso. Se alguém se apaixona por mim e eu não, acho simples, fácil, dizer: “não estamos na mesma vibe”. Os caras costumam não saber se comunicar e preferem dar balão (enrolar) ou tratar a mulher mal para demonstrar desinteresse. Péssimo! Uma vez, um boy terminou uma mensagem de áudio para mim com um “valeu, fera”. Foi a forma dele dizer que não queria o continue ou que eu não devia me apaixonar. Virou piada, lógico. Enquanto para os homens há um medo de envolvimento, há para as mulheres uma certa compulsão por romance. Uma projeção do príncipe encantado em todo cara. Já os homi querem mesmo ser os reis do harém. Como a gente pode se encontrar quando há todas essas distâncias? É uma equação difícil de ser resolvida.

Sabe o que me deixa puta: a maioria dos caras - principalmente esses grupos como os redpill -  não fazem um trabalho de elaborar sentimentos, inseguranças; não se autorizam a sentir emoções. São grandes recalcados. As mulheres estão, muito mais, se trabalhando. Se transformando. Os homi preferem ser o escroto do que o cara emocionado. Para muitos, se apaixonar, ser traído ou rejeitado é o atestado máximo de fracasso. Para eles, somos as grandes vilãs de sua saúde emocional porque lhes falta autonomia. Porque precisam o tempo todo serem validados. Estou aqui fazendo caricaturas exageradas para percebermos as diferenças entre homens e mulheres. Mas, claro, existem muitas nuances.

Gosto muito de homem viril. Me dá um tesão danado, confesso. Mas viril de verdade. Não o fake viril. Meu homem precisa ser e se sentir poderoso para muito além de títulos acadêmicos, talentos e dinheiro no banco. Se a gente buscar no dicionário, a virilidade está vinculada a potência, a coragem, moral, energia, vigor. O machismo e todas suas mazelas têm produzido, além de homens violentos, uns grandes pratos de papa. Homens que se esquivam, que não tem coragem, que temem mulheres bem-sucedidas, inteligentes, poderosas. Homens que não sabem dar amor, prazer, respeito, fidelidade. Pensando aqui: acho que poderia dar uns cursos de virilidade muito mais interessantes do que coach da campari. Vocês não acham?


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Ando me sentido uma velha: só quero amar e aproveitar a vida