Todo mundo quer um amor meio o Diário de uma paixão

Idylle - Francis Picabia

Semana passada, escutei o podcast Bom dia, Obvius com a maravilhosa Ana Canosa. O debate foi sobre o amor romântico e a sua demonização. De fato, o mito do amor romântico como uma construção narrativa nos limita a padrões, estimula fantasias irreais. Porém, penso que não deveríamos estar nos despindo do amor, nem por esse, nem por outros motivos. 

Eu e Roberto amamos o filme Diário de uma paixão, sempre choramos horrores ao assistí-lo. Ficamos repetindo feito dois idiotas: “eu quero amaaar” (vozinha de melodrama nessa hora). Apesar da ficção hollywoodiana clichê da menina rica que se apaixona pelo rapaz pobre, o que mais nos encanta é a existência de um amor duradouro, perene. Um amor que fica, que cuida, que constrói laços até o fim. Quem não quer um amor desse? 

Se o amor entrou em desencanto por uma infinidade de problemas, tenho dúvidas se, em algum momento, deixamos de desejá-lo, mesmo que secretamente. Nesse processo, acredito que não podemos achar que o amor é apenas fantasia. Muito menos, coisa de gente boba. A gente não precisa se resignar com o pouco ou com o nada. Eu quero sim um amor para vida toda como Noah e Allie. E esse desejo não está aqui apenas para me frustrar. Obviamente, já me frustrou. Mas me fez seguir, partir, buscar novos cenários. E claro, em muitos momentos também me desencantei. Desacreditei, senti raiva, muita raiva, ao amar. Tem sido um processo virar essa chave devido a tantos traumas.

Por mais que nosso desejo de um amor para vida toda possa nos colocar em enrascadas, penso que é esse mesmo desejo que pode nos livrar delas. Com esperança, temos mais coragem. Sabe o que acho? Não é tanto o amor romântico que frustra a gente. É muito mais o desencontro com o real. Nem tanto ao céu, nem tanto a Terra, quem já ouviu esse ditado? Se não lemos quando criança como foi depois do “felizes para sempre”, hoje precisamos fazer esse trabalho.E muitos outros também, de fato. Por haver tantas lacunas, pode ser que, coletivamente, a gente esteja rejeitando o amor, não o priorizando, até para poder fazermos alguns trabalhos internos necessários.   

Sim, há muitas violências. A história contada por Jéssica Aronis, em seu Tedx, é bastante comum e contrasta barbaramente com o nosso desejo do felizes para sempre. Casada com um homem lindo, inteligente, literalmente galã de novela, Jéssica foi humilhada, violentada. Só foi convencida a sair do casamento através da seguinte fala de seus advogados: “você está preocupada com ele? Você está com medo que alguma coisa aconteça com ele? Então, você tem que sair de casa hoje, porque se você não sair de casa hoje ele vai te matar e isso vai acabar com a vida dele”. Para as mulheres, o amor foi ensinado como servidão, para os homens como posse. Transformar isso dá trabalho.

Também fui violentada. Olívia, a personagem do livro que estou escrevendo, também foi.  Muitas de nós, vivemos essa história. Não é de se espantar nosso medo do amor. Nada, porém, desses atrapalhos humanos tem a ver com o amor. Nossos desequilíbrios históricos têm razões mais complexas, tanto individuais, como sociais. O amor, em essência, continua sendo o motor. Se não temos ainda tantas habilidades para construir amores saudáveis, não significa que vamos ou devemos abandoná-lo. É vivendo que se aprende. Não se fica pronto para o amor. Se escolhe construir e viver o amor.

Numa sessão de análise, já fiz o exercício de listar todas as coisas que me amedrontam num possível relacionamento e pensar estratégias do que fazer diante de acontecimentos que me despertam medo. Acho que um dos maiores medos que sentimos - falo com base no que ouço das amigas - é o de não conseguir ir embora diante de merdas. Não queremos viver o que Jéssica viveu, o que Olívia viveu e ainda ter vontade de ficar. Não conseguir partir.

Sim, estamos meio mergulhadas em narrativas de fracasso de um lado e fantasias amor idealizadas de outro. E isso é um problema. Amo a série I may destroy you, porém assistí-la foi extremamente desconfortável. Apesar de adorar o Diário de uma paixão, não suporto os romances açucarados tipo Nicholas Sparks. Gostei bastante do último filme da trilogia de Antes do amanhecer justamente por ser algo mais palpável. Ver as fissuras de um amor real e o desejo de permanência de um casal me soa muito mais poético do que loucuras de paixão. Há muita beleza na concretude.

Robe gosta de, eventualmente, compartilhar comigo histórias de casais fofinhos publicadas no instagram @razoesparaacreditar. Depois de assistir, a gente repete nosso mantra: eu quero amaaaaar. Como criadora de narrativas, penso que a gente precisa mesmo olhar para o amor com mais esperança ao retratá-lo. Precisamos escrever sobre o depois do “felizes para sempre” não só pela ótica da violência, mas também através da construção possível. Para mim, é chegado o tempo de nos reencontrarmos com o amor. 


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