Brasil: aliene-se ou seja um descompensado

O ovo - Tarsila do Amaral

Eu queria um chocolate.

Talvez, um cigarro.

Um copo de cerveja para distrair. 

Não consigo ficar sem fazer nada.

Preciso fazer yoga. Hoje ainda não rolou.

Ando muito enrolona com os exercícios.

Será que saio para comprar cigarros?

Preciso de uma pitada de prazer.

Ando casada. Fico com medo de estar viciada.

Estou trabalhando muito e fazendo pouco exercício. A pior fase da pandemia passou, ainda bem. Quando estava sozinha no Rio de Janeiro quase nunca conseguia ficar sem chocolate e tabaco. A vida estava bastante complicada. Mesmo assim, fazia bastante exercício. Sobrava tempo e sempre que possível arrumava uma desculpa para ir correr no parque. Ficar trancada sozinha por meses foi bem traumático. E quando não saia, rolava bumbum na lua no meio da sala. Estava doida, porém sarada.

Consegui terminar o doutorado. Vi muitos dias amanhecer. Finalizei minha pesquisa com bastante prazer. Sai satisfeita, apesar dos pesares, com meu trabalho. Por que será que penso tanto em chocolate e cigarro? Hoje, ao que tudo indica, acharam os corpos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips. Não que o mundo tenha sido melhor que isso, mas o horror nos últimos anos parece ter sido validado. 

Em 2018 estudava roteiro na escola Darcy Ribeiro. Até esse legado, o ser que ocupa o posto mais alto de nossa nação destruiu. O espaço físico da escola, num antigo prédio dos Correios, cedido à instituição em 2001, foi pedido de volta. A escola, criada pela viúva de Darcy Ribeiro, Irene Ferraz, foi considerada em 2018 Patrimônio Histórico Cultural Imaterial do Estado do Rio de Janeiro e nada disso adiantou. Ela segue sem conseguir desenvolver suas atividades. Esse ano, a UFRJ, universidade onde fiz mestrado e doutorado, também ameaça fechar as portas. Destruir a arte, a educação, o meio-ambiente, o povo, é o projeto.

Lembrei de um experimento com ratinhos de laboratório. Espero não falar besteira, não vou parar de escrever para procurar. O que me recordo é que eles ficavam muito viciados em açúcar e cocaína quando submetidos a condições de vida estressantes. Depois de inseridos num meio com mais bem-estar, deixavam facilmente as drogas de prazer recompensatório imediato. Como não ficar na vibe desses ratos?

Para viver, tenho tudo. Não falta nada. Só futuro e esperança. Tenho também muitos desejos frustrados. Sigo trabalhando, sigo tentando. Mas estou exausta. Cansada. Com o olho tremendo de burnout. E o pior não é nem isso. O pior é ver o noticiário e, principalmente, o que não mostra o noticiário. É ir ao supermercado e observar pessoas morrendo de fome nas portas, pedindo qualquer tipo de alimento. É saber que há 33 milhões de brasileiros em estado de miséria absoluta. Fome. Voltamos a ser o país da fome.

Meu sonho de menina privilegiada é meio idiota. Bem besta… Fico visualizando que quando concretizar algumas das minhas metas, quando tiver com grana e o mundo for um pouquinho menos doloroso, vou fazer um rehab em Bali. Quero ficar uns três meses lá só fazendo yoga, comendo vegano, admirando a paisagem, longe das redes sociais, sem comer nada de açúcar, chocolate ou fumar cigarro. Uns meses sabáticos sem nada de trabalho. No máximo, só escrever se, por acaso, surgir vontade.

Só não quero ficar sem sexo porque aí já é demais. Cortar esse prazer não dá. Gostaria de fazer rehab com um futuro amor que ainda não existe. Será que vai haver um maluco por aí com um desejo parecido com o meu? Tomara que sim... Adoro desejar, sonhar. Planejar coisas e concretizar dentro do possível. Isso me dá um prazer danado. Talvez seja uma forma de suportar esse mundo cinza. De desenhar no meu coração tons de esperança ou de uma recompensa não tão imediata como açúcar e cigarro. Os últimos anos têm sido torturantes para os sonhadores. Muitas doses da mais dura e cruel realidade. 

Acho que vou mesmo sair para comprar cigarros. Chocolate sei que ainda tem na dispensa. Beber cerveja em casa não tem a menor graça. O vinho acabou, a garrafa que tinha bebi semana passada.


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