Para as mulheres que aprenderam a ser fortes…
Devo dizer que comecei, há anos, a sentir um medo absurdo de errar, de me enganar, de me perder, de fazer más escolhas, um medo de sentir, de me apaixonar, de me relacionar, de ser enganada, usada, violentada e um monte de coisa mais. E se… Vários “e se” vão surgindo o tempo todo em minha cabeça. Talvez, na sua também.
Isso não ocorre porque nos tornamos amargas, embora seja um xingamento comum as mulheres. Nem porque nossa energia se tornou masculina, como os coachs picaretas costumam vender. Isso, entendo, acontece como resposta a um trauma muito palpável.
O feminino, as mulheres, são constantemente violentadas pelo masculino. E não estou falando de relacionamentos, exclusivamente, de heterossexualidade. Somos integralmente violentadas. Temos um medo constante. Na rua, em casa… A cultura do estupro não é recente, é milenar. O desejo dos homens de tirarem proveito do nosso corpo, da nossa força de trabalho, da nossa estrutura psíquica vem desse mesmo lugar, do entendimento que estamos aqui para servi-los.
Comecei a ler na semana passada um livro maravilhoso. Se chama A coragem de ser imperfeito: como aceitar a própria vulnerabilidade, vencer a vergonha e ousar ser quem você é , de Brené Brown. Não passei nem da metade, mas estou completamente intrigada. Também há uma palestra da autora no TED Talk, uma das mais assistidas da história, com mais de 21 milhões de visualizações no canal do YouTube, seguindo a mesma temática.
Depois de muitos anos de pesquisa qualitativa, ouvindo milhares de histórias, Brené fez um lindo trabalho de teorizar porque sentimos vergonha. Minha compreensão da sua tese é que: aceitar nossa vulnerabilidade seria um grande poder para uma vida plena e, para isso, precisamos de coragem. Além de pontuar questões de como o mundo contemporâneo nos empurra para uma perigosa necessidade de nos sentirmos incríveis, grandiosos, principalmente com as redes sociais, ela faz paralelos muito interessantes sobre vergonha e culpa.
A vergonha estaria muito mais associada a comportamentos destrutivos e prejudiciais, como vícios, atos de violência, a incapacidade de resolver, transformar e evoluir. Ao ficarmos presos na vergonha, costumamos culpar ou envergonhar o outro, as circunstâncias, permanecer em nosso ego, egoísmo e não transformar. Enquanto a vergonha nos emudece, a culpa nos traria mais coragem de ousar, fazer diferente.
Sobre isso, ela indica que é como se culpa fosse igual a “eu fiz uma coisa má”, e a vergonha causasse em nós a seguinte autopercepção: “eu sou má”. Para transformar o sentimento de vergonha precisamos ter coragem para aceitar nossa imperfeição, o nosso direito a errar, de fazer más escolhas, de se enganar a respeito de algo, aceitando, assim, nossa vulnerabilidade.
Essa construção me parece lógica e com sentido. Porém, como mulher, por tudo que falei no início, fiquei pensando: como aceitar nossa vulnerabilidade se ela representa, quase sempre, certos riscos? Para nos proteger de todas essas violências comuns, fomos criando cascas para sentir menos, para não nos colocar em espaços de vulnerabilidade. Quando descobri a gravidez, por exemplo, senti e sinto um medo extremo justamente por me deparar com a vulnerabilidade.
Vejo caminhos, quero pensar mais, não tenho nenhuma conclusão a respeito. Pelo menos, vi um sentido mais positivo na culpa que nós, mulheres, costumamos sentir. Talvez, seja por essa culpa que estamos nos direcionando constantemente para o autoaperfeiçoamento. De modo geral, os homens permanecem muito na vergonha, na incapacidade de autoresponsabilização. Triste, não?!